O Brasil é um dos epicentros da crise da vida no planeta. Não apenas porque o destino da Amazônia está em jogo, mas também por ser um país tropical que enfrentará, de forma desproporcional, os impactos da crise climática caso nada seja feito. E esses impactos recairão com ainda mais força sobre as desigualdades já existentes e sobre a vida do povo trabalhador.
A emergência climática, potencializada pelo capitalismo, nos colocou diante da fronteira final da nossa sobrevivência. Somado a isso, o contexto de guerra e o aumento da agressividade dos países do Norte — em especial dos Estados Unidos — dificultam ainda mais a construção de saídas verdadeiramente cooperativas.
Diante desse cenário, é urgente criar uma alternativa concreta de sobrevivência.
O extrativismo capitalista — que transforma bens comuns naturais, como o petróleo e o solo, em mercadorias — agora aproxima-se do limiar da morte coletiva. O PL da devastação e a abertura de novas frentes de exploração de petróleo na foz do Amazonas, somados à privatização dos rios Tapajós, Madeira e Tocantins para o escoamento do agronegócio, configuram novas fronteiras letais transgredidas. São iniciativas que ameaçam a floresta, violentam os povos indígenas e colocam em risco não apenas o futuro da Amazônia, mas a própria sobrevivência da sociedade brasileira — e, por extensão, da comunidade global.
A chamada transição energética, tal como vem sendo anunciada, não representa uma ruptura, mas apenas a adição de novas fontes de energia para sustentar um novo colonialismo verde capitaneado pela mineração. O apetite global por carros elétricos e baterias é saciado à custa de transformar nossa América Latina em uma vasta zona de sacrifício — onde territórios, povos e ecossistemas são destruídos para manter o ritmo do mercado global.
Essas forças capitalistas — agronegócio, megamineradoras, transnacionais, data centers e tantas outras — ampliam e retroalimentam os múltiplos colapsos que já atravessamos: o colapso hídrico, o colapso alimentar, o colapso do trabalho, do cuidado e muitos mais.
Diante dessa policrise que assola o planeta, os trabalhadores e todas as formas de vida, torna-se urgente construir uma Política de Sobrevivência.
À medida que a destruição capitalista se intensifica, também crescem as resistências. Este manifesto é, por isso, um grito pela vida — uma reivindicação por justiça em constante reconstrução e experimentação.
Para enfrentar os colapsos em curso, cada região do país e do planeta precisa formular seu próprio programa de sobrevivência — e cada programa deve se articular a uma saída coletiva para que a vida possa voltar a florescer.
Junte-se a nós na construção de um Manifesto de Manifestos pela sobrevivência da vida no planeta!
A cada nova rodada de expansão capitalista, mais recursos são drenados e pessoas, animais e biomas sacrificados, a ponto de já termos extrapolado 7 dos 9 limites de equilíbrio planetário[1].
A crise é tão profunda que, em escala global, ampliar o extrativismo capitalista significa ampliar os colapsos que já enfrentamos em múltiplas frentes. Em outras palavras: a pilhagem da natureza não nos enriquece — ela nos empobrece ainda mais.
Como veremos a seguir, cada colapso está profundamente enraizado na perda de direitos. Por isso, enfrentá-los exige expandir direitos e construir uma política de redistribuição radical, centrada na justiça social e climática.
Para enfrentar os colapsos, portanto, precisamos expandir os direitos e migrar para uma política de redistribuição radical com justiça social e climática.
Nós ainda podemos evitar o colapso! Para isso, precisamos e exigimos uma verdadeira Política de Sobrevivência: coletiva, radical e anti-sistêmica.
O aquecimento global e a devastação de todo território brasileiro, especialmente Amazônia, Cerrado e Pantanal, já alteraram o ciclo hidrológico, comprometendo de forma generalizada a capacidade de regeneração dos biomas, impactando a vazão dos rios e a recarga de reservatórios para abastecimento de água na cidade e no campo.
Nosso regime de chuvas deve ser ainda mais impactado, apontando para cenários preocupantes de escassez hídrica. Longos períodos de estiagem, ondas de calor e extremos pluviométricos têm resultado em precipitações insuficientes para a recarga de reservatórios em geral, cuja concepção é muito anterior às mudanças climáticas.
O colapso hídrico impactará cada vez mais as agriculturas, o consumo humano e a geração de energia. Além disso, temos inúmeros agravantes como a contaminação generalizada de agrotóxicos do agronegócio – 27 tipos detectados na água de 1 a cada 4 cidades -, mananciais, reservatórios e lençois freáticos poluídos[2].
A escalada nunca vista dos processos de privatização e mercantilização da água pioram o cenário e ampliam a desigualdade no acesso à água. Os números são aterradores: ainda temos 34 milhões de brasileiros sem acesso a sistemas formais de abastecimento de água e mais de 90 milhões sem coleta e tratamento de esgotos[3].
A sobrevivência ao colapso hídrico se dará desmercantilizando a água e combatendo o agronegócio!
O cuidado na sociedade mercantil é garantido principalmente pela saúde pública e pela sobrecarga das mulheres. Em ambos os casos temos crises sociais gravíssimas.
A saúde pública e sanitária também atravessa um estado de colapso, evidenciado pela intensificação de pandemias que têm origem na devastação da natureza e na exploração animal. Assim como a Covid-19, empilham-se pelo mundo casos de gripe suína, aviária, dentre outras.
O SUS passa por um desmonte neoliberal, com a privatização dos hospitais federais e a precarização do trabalho dos profissionais da saúde. Nossa autonomia na produção de vacinas regride e se aceleram as privatizações que só tornam o sistema de saúde mais caro, o que agrava o problema do acesso à saúde da população mais vulnerável.
Soma-se a isso a crise do mercado de trabalho e o desmonte dos serviços públicos. Esse é o cenário de uma profunda crise do cuidado que recai majoritariamente sobre as mulheres. Mais de 80% delas enfrentam jornadas exaustivas — duplas, e muitas vezes triplas — para dar conta do trabalho subordinado, do cuidado doméstico e das responsabilidades familiares[4]. Mais da metade dos lares brasileiros são chefiados por mulheres, o que evidencia a necessidade de políticas públicas que garantam a divisão do trabalho de cuidado entre familiares e Estado[5].
Trabalhadoras empobrecidas, sem acesso a creches públicas de qualidade, submetidas a escalas exaustivas como a 6×1 e ainda ameaçadas por cortes em benefícios sociais — efeitos diretos das políticas neoliberais — representam o próprio colapso do cuidado. Vivemos numa sociedade que precisa de corpos minimamente saudáveis para continuar reproduzindo o lucro; mas até essa condição básica está sendo corroída pelos colapsos em curso.
Precisaremos de uma ruptura com a sociedade patriarcal, e uma revolução na saúde e no mundo do trabalho!
Um dos mais graves colapsos devido a emergência climática é o colapso do sistema alimentar. Será cada vez mais complicado alcançar a soberania alimentar da população global persistindo o atual modelo hegemônico de agricultura e de relação com a natureza.
O aumento das temperaturas está deixando a comida “vazia”, já que o excesso de dióxido de carbono na atmosfera diminui o conteúdo nutricional dos alimentos. O arroz registra declínios nutricionais em ferro, zinco e vitaminas do complexo B. O café no Brasil está virando item de luxo também por questões ambientais: a exemplo, o nosso sagrado café arábica pode ver uma redução de 50% em terras adequadas para sua produção, tornando-o um alimento cada vez mais caro e escasso da mesa dos trabalhadores[6].
Os trabalhadores, sobretudo dos países periféricos, têm em seus pratos cada dia mais veneno na forma de comida, afetando significativamente a saúde e qualidade de vida dos povos. Enquanto os países centrais banem agrotóxicos, eles exportam os mesmos para os países periféricos, somente no ano passado foram exportadas 122 mil toneladas de agrotóxicos banidos.
A combinação entre colapso hídrico, aumento das temperaturas e políticas neoliberais pode levar ao desaparecimento da agricultura irrigada pela chuva ou rios — que representam mais de 90% da área plantada no Brasil — em amplas regiões do país. Isso significaria a destruição de modos de vida e a multiplicação da fome entre trabalhadores cada vez mais empobrecidos.
Se o agronegócio e o capitalismo estão, na verdade, diminuindo a produtividade das áreas agricultáveis do mundo em quase um quarto, a agroecologia precisa ser a nossa política de sobrevivência contra o colapso alimentar.
A emergência climática radicaliza o colapso social no Brasil, cerca de 48 mil pessoas teriam morrido por ondas de calor entre 2000 e 2018[7]. Mulheres, negros e principalmente crianças e idosos são as maiores vítimas. As ondas de calor afetam especialmente aqueles que vivem em favelas, onde a falta de infraestrutura adequada e serviços essenciais, aliada à escassez de áreas verdes, agrava os impactos das mudanças do clima.
O aumento da poluição do ar – por meio principalmente do monóxido de carbono – coloca em maior exposição as pessoas mais pobres. As mulheres são as principais afetadas por essas emissões, predominando no uso do transporte público e enfrentando deslocamentos longos. As mulheres negras, em particular, constituem um dos grupos mais excluídos, enfrentando escassez de transporte, exclusão social e violência em seus trajetos. Quanto à renda, aquelas com menores rendimentos tendem a depender mais da mobilidade ativa e do transporte coletivo, modais que historicamente recebem menos investimento público.
Dados indicam que 60% das favelas não recebem obras de prevenção de riscos climáticos, expondo suas populações a vulnerabilidades crescentes diante de eventos extremos, como ventanias, enchentes e deslizamentos de terra[8]. As casas, geralmente construídas com materiais inadequados, sofrem com a falta de ventilação e isolamento térmico, comprometendo a habitabilidade.
Precisamos de uma transição para transportes coletivos abundantes e descarbonizados, além de formas de refrigeração coletiva como florestas, parques, dentre outros.
[7] https://www.oc.eco.br/mais-de-48-mil-pessoas-morreram-por-ondas-de-calor-no-brasil-entre-2000-e-2018/
[8] https://niddedigital.com/estudo-aponta-que-60-das-favelas-nao-recebem-obras-de-prevencao-de-riscos-frente-a-crise-climatica/
A crise do trabalho, que se aprofunda década após década, também caminha para assumir contornos de colapso. A uberização já vinha pressionando salários, fragmentando direitos e ampliando a precarização da classe trabalhadora. Ao mesmo tempo, a automação anunciava a eliminação de centenas de milhões de postos de trabalho até 2030[9]. Agora, com a ascensão vertiginosa da inteligência artificial, esse processo entra em uma nova fase: a ameaça concreta de um colapso do trabalho digno, no qual amplos setores produtivos podem ser substituídos enquanto a concentração de riqueza atinge níveis inéditos.
Não somente responsável pela potencial perda de 300 milhões de empregos nos próximos 5 anos[10], a inteligência artificial é a grande responsável pela expansão de negócios ultra intensivos em energia e consumo de água, tal como os data centers. Aí vemos um futuro sombrio com destruição ambiental e empobrecimento generalizado se entrelaçando.
Esse cenário mostra que enfrentar o colapso do trabalho só é possível aliando a luta anticapitalista à luta ambiental!
Contra todas as perspectivas falsamente otimistas propagadas na última COP 30, o Brasil está mais perto da escassez energética para a maioria do seu povo do que uma real transição renovável. O país se especializa cada vez mais em exportar energia, direta ou indiretamente — seja por meio do hidrogênio “verde” destinado à Alemanha e à França[11], seja alimentando data centers de empresas chinesas ou canadenses instaladas aqui.
Esses empreendimentos hiper intensivos em consumo energético revelam que não há transição, apenas adição de novas fontes supostamente “limpas” para sustentar velhas lógicas extrativistas. O resultado é o avanço de um colonialismo verde que, inevitavelmente, será o centro de futuras disputas e lutas sociais.
Enquanto países como o Chile já são palco de revoltas locais contra data centers, o governo federal brasileiro defende uma política de desoneração para esse tipo de empreendimento extrativista. No caso de Caucaia, o data center do TikTok deverá consumir, em sua maturidade, mais energia do que 99% dos municípios brasileiros[12].
Além do impacto energético, há riscos concretos de colapso hídrico devido à enorme demanda por água desses empreendimentos. Para se ter uma dimensão, apenas entre 2023 e 2024 os data centers do Texas consumiram cerca de 1,75 bilhão de litros de água, obrigando a população texana a adotar medidas de economia. Nada indica que o cenário brasileiro será diferente; ao contrário, tudo aponta para uma intensificação dos conflitos socioambientais e da pressão sobre recursos já escassos.[13].
A desigualdade energética tende a ser ampliada pela suposta transição em curso. Para escapar do colonialismo verde, o Brasil precisa construir sua própria transição — uma transição verdadeiramente justa e democrática. Isso só será possível se o povo brasileiro for, de fato, o principal beneficiário: com energia mais barata, com controle público sobre a expansão da infraestrutura energética e com uma produção realmente sustentável de fontes solar e eólica que avancem sobre — e substituam — as fontes sujas ainda dominantes.
[11] Ver ClimaInfo. 2023. Alemanha quer parceria com Brasil por hidrogênio verde. ClimaInfo, 15 de março de 2023 e ABRAPCH (Associação Brasileira de PCHs e CGHs). 2024. Emenda 21 aprovada pelo Senado inclui hidrelétricas na produção de Hidrogênio Verde. ABRAPCH 21 de junho de 2024.
Em uma época de crise sem precedentes, torna-se indispensável um programa radical de sobrevivência. Se cada um dos colapsos que nos cercam destrói direitos, então ampliar esses direitos — e transformar a própria forma de entendê-los — precisa ser o centro de qualquer política revolucionária. Se a economia capitalista mundial já excede tanto a capacidade humana de sobreviver quanto a capacidade da biosfera de se reproduzir, teremos de reconstruir a ideia de limite como algo positivo, emancipador e profundamente democrático.
Reduzir a opulência dos de cima é condição para eliminar a miséria dos de baixo.
Combinar limites ecológicos e sociais com uma redistribuição generalizada não é apenas um caminho possível: é o único capaz de garantir o equilíbrio da vida e, ao mesmo tempo, inaugurar uma forma de abundância radical, consciente e orientada para o bem viver.
1 – Redução das desigualdades e redistribuição radical- não existe extrema pobreza sem extrema riqueza. Precisaremos combinar políticas de garantia de trabalho e renda básica para combater a miséria e garantir que a riqueza social seja não mais baseada na opulência de poucos e na escassez de muitos, mas que se torne um bem comum. Isso seria possível também criando mecanismos de renda máxima contra os ultra-ricos, uma vez que o excesso de riqueza se converte em excesso de consumo de matéria e energia, além de poder imperial mobilizado contra a maioria.
2 – Redução geral do consumo de matéria e energia com atendimento básico das necessidades humanas – o capitalismo impôs uma dinâmica onde um consumo cada vez maior de recursos, matéria e energia se intensifica mesmo com uma situação de privação de direitos básicos para a maioria trabalhadora. Com políticas de combate à quebra deliberada de produtos – a chamada obsolescência programada – e com tecnologia modular podemos prover acesso a itens tecnológicos essenciais a todas as pessoas, ao mesmo tempo que podemos reduzir a extração de materiais, produção global e até a jornada de trabalho. Produzir para uso e o necessário é o caminho para atender as necessidades humanas antes de chegar a um cenário de real escassez.
3 – Extensão da ideia de sujeito de direito às demais espécies, à biosfera e às paisagens naturais – Transformar seres não humanos e biomas em sujeitos de direitos pode ser uma ferramenta concreta para interromper processos de destruição extrativista. Apesar dos limites e contradições das legislações de direitos da natureza aprovadas na Bolívia e no Equador, foi neste último país que emergiram vitórias relevantes. Um exemplo expressivo é a derrota da mineradora que buscava explorar a área protegida de Los Cedros — um dos últimos santuários do urso-de-óculos. A Corte entendeu que o empreendimento violaria a Constituição equatoriana, que reconhece a natureza como sujeito de direitos. Precisamos criar barreiras de proteção à vida contra a expansão capitalista!
4 – Impor uma lógica de travas ao extrativismo capitalista como moratórias contra o agronegócio e mineração globais – sem as florestas tropicais restantes no mundo e as reservas naturais sobressalentes, não evitaremos os colapsos. A soja, o óleo de Palma, metais críticos, dentre outras commodities, são os itens por trás de imensas pressões extrativistas contra os mais importantes biomas para a sobrevivência coletiva. Precisamos de moratórias contra a pilhagem pelo mundo, no contexto do Brasil, reafirmar a moratória da soja na Amazônia e conquistar uma nova moratória da soja no contexto do Cerrado é central. É preciso criar uma mentalidade onde nossa sobrevivência só é possível com a regeneração e desmercantilização da natureza .
5 – Desmantelamento da economia global e transição para uma civilização descarbonizada – desglobalizar e relocalizar a economia é uma necessidade global. Mas isso deve ser feito também nos níveis nacionais. Diferente de uma lógica chauvinista esta mudança é no sentido de “reorganizar o local para ajudar o global” Países e regiões devem focar na manutenção de suas culturas locais, voltar-se às suas prioridades econômicas e produtivas, enfraquecendo a lógica de economias de exportação. Devemos criar sistemas de transporte coletivo e descarbonizado abundantes e acessíveis, fazendo com que se tornem desinteressantes os transportes individuais.
6 – Desglobalização do sistema alimentar e reforma agrária popular e agroecológica – o agronegócio é o maior inimigo da sociedade brasileiro e um dos maiores oponentes da civilização global. A mudança do uso do solo é um dos maiores motores da mudança climática. Assim, a reforma agrária popular está no centro de uma transição para a agroecologia e sistemas locais e ecológicos de produção de alimentos é urgente, além da mudança para uma alimentação mais baseada em nutrientes vegetais.
7 – Por uma outra soberania e cooperação internacional- O arcabouço jurídico internacional vigente precisa superar a noção de soberania nacional absoluta e avançar para uma soberania relativa e cooperativa. Hoje, as decisões que um país toma sobre “seu solo” e suas “riquezas naturais” afetam diretamente a biosfera e outros povos — sobretudo as milhões de pessoas que, nos próximos anos, terão seus territórios engolidos pela água e que não têm qualquer responsabilidade por isso. É necessário construir uma soberania que assegure direitos a todos os povos do mundo, ao mesmo tempo em que imponha limites à destruição indireta provocada pelas decisões, especialmente, dos países do Norte global.
8 – Garantir os direitos das mulheres e a transição demográfica – Construir a transição demográfica popular em conjunto com os todos os povos, aumenta as chances de sucesso de evitarmos os colapsos. Em outras palavras, apesar do nível de população global não ser o centro do debate, é sim muito importante para a questão do reequilíbrio do sistema-terra. Mas isso só pode ser feito de forma democrática com a garantia e ampliação dos direitos reprodutivos das mulheres, melhora dos sistemas de educação e condições de trabalho, em consonância com a construção de uma sociedade com igualdade de gênero. Ao mesmo tempo, o direito de constituir famílias só pode ser garantido com o fim das desigualdades globais e segurança econômica, o que só reforça a necessidade de garantir os direitos das mulheres para qualquer debate sobre transição demográfica.
9 – Romper com o neoliberalismo e o arcabouço fiscal – o caso brasileiro não é diferente de muitos países pelo globo. Enfrentamos uma escassez de recursos para as áreas socioambientais criadas de forma artificial pelo neoliberalismo. Há dinheiro para os banqueiros mas não para os servidores do meio ambiente, área que enfrenta uma falta de trabalhadores tremenda. O mesmo acontece com a seguridade social. É impossível enfrentar a emergência climática sem tirar investimentos socioambientais da lógica do arcabouço fiscal. Assim, vamos precisar de medidas de valorização dos servidores do meio ambiente e expansão de serviços públicos socioambientais, além de criação de benefícios que tornem a subsistência humana um direito, tais como a renda básica universal.
10 – Economia Solidária e do Cuidado: garantia ao trabalho emancipado e verde – sem a liberdade e a emancipação do trabalho, não há transição ecossocial possível — e, para isso, a Economia Solidária torna-se central. A classe trabalhadora deve ter direito ao trabalho associado e autogestionário, assim como poder real de decisão sobre o que produz. É urgente a implementação de grandes políticas de Estado que promovam a transição de trabalhadores hoje inseridos em setores ecologicamente destrutivos para empregos verdadeiramente “verdes” e de qualidade. Programas de garantia de trabalho e renda em atividades de baixa emissão de carbono, aliados à expansão profunda da Economia do Cuidado — com serviços públicos universais e de qualidade em saúde, educação, assistência social e outras áreas — são fundamentais para conectar a luta vermelha dos trabalhadores à luta verde pela vida.
11 – Direito à informação, ciência, adaptação e educação para a emergência climática- Precisamos de diagnósticos participativos e da construção coletiva de alternativas ancoradas nos saberes e na cultura de cada território. Décadas de negacionismo e de antiambientalismo, sustentadas pelo modelo de desenvolvimento dominante, produziram um cenário gravíssimo de desinformação e despreparo da população diante do colapso climático. O povo foi privado do senso de gravidade e urgência que a crise exige; ficou à margem do conhecimento e das informações básicas necessárias para enfrentar os impactos cada vez mais extremos. E justamente essa população — que pouco sabe sobre os riscos que corre — é a que figura entre os principais indicadores de vulnerabilidade. É imperativo um esforço coletivo para construir uma verdadeira cultura de prevenção.